Poucas pessoas têm conhecimento que as suas operadoras de planos privados de assistência à saúde são obrigadas a pagar os atendimentos de AIH – Autorização de Internação Hospitalar – ou APAC – Autorização de Procedimentos Ambulatoriais,
aumentando, por consequência, a sinistralidade do plano, que terá impacto no reajuste das mensalidades.
O Art. 32 a Lei dos Planos de Saúde prevê que serão ressarcidos pelas Operadoras de planos de saúde, de acordo com normas a serem definidas pela ANS, os serviços de atendimento à saúde previstos nos respectivos contratos, prestados a seus beneficiários e respectivos dependentes, em instituições públicas ou privadas, conveniadas ou contratadas, integrantes do Sistema Único de Saúde –SUS.
Durante muito tempo se discutiu a constitucionalidade das cobranças realizadas às Operadoras até que o Supremo Tribunal Federal, por ocasião do julgamento do RE n. 597064, entendeu que a restituição oriunda dos atendimentos prestados no âmbito do Sistema único de Saúde – SUS encontra amparo no ordenamento jurídico brasileiro.
Todas as operadoras em atividade, inclusive autogestões ou filantrópicas, encontram-se obrigadas a proceder com a restituição dos valores dispendidos, nos moldes do art. 32 da Lei n. 9.656 de 1998 e da Resolução Normativa – RN n. 502 de 2022, que dispõe sobre os procedimentos administrativos físico e híbrido de ressarcimento ao SUS. Periodicamente, através de um processo eletrônico, as cobranças chegam às operadoras.
Contudo, ainda que o julgado do Supremo Tribunal Federal tenha definido a constitucionalidade e a legalidade da obrigação, pretendemos com o presente artigo demonstrar que há mais que se fazer por parte das Operadoras, além de simplesmente
realizar o pagamento dos atendimentos identificados, se verificado que aludidas cobranças não preenchem os requisitos legais ou normativos fixados pela Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS. Isso porque, comumente, são encaminhados atendimentos passíveis de impugnação.
Dentre as principais razões encontramos cobranças relacionadas à atendimentos fora da abrangência geográfica do produto, atendimentos já pagos, beneficiários em carência e/ou excluídos, a existência de Cobertura Parcial Temporária para doença ou lesão preexistentes, incidência de franquia ou coparticipação ou ainda casos em que o beneficiário quiçá pertence à Operadora.
Dessa forma, uma avaliação técnica precisa dos atendimentos identificados poderá representar uma significativa economia às Operadoras de Planos de Saúde que, a cada dia mais, são obrigadas a rever custos. Os atendimentos realizados pelo SUS poderão ser contestados administrativamente perante a ANS, se não preenchidos os requisitos legais. Porém, vale destacar que existem situações em que é realizada a impugnação administrativa dos atendimentos identificados, mas a Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS, acaba mantendo a cobrança de alguns procedimentos que, na prática, não são passíveis de restituição. Para estes casos, a intervenção judicial se mostra como o último recurso disponível.
Como ocorreu em determinado processo judicial, a Operadora de planos de saúde, ainda que tenha apresentado a devida impugnação e recursos administrativos contra uma cobrança indevida, teve seu pedido indeferido pela ANS no âmbito administrativo.Porém, em sede do mencionado processo judicial, a própria ANS, reconheceu ser indevido o ressarcimento ao SUS cobrado à Operadora, uma vez que o beneficiário se encontrava em período de carência contratual ao tempo dos atendimentos médicos prestados, sendo declarada a inexigibilidade da cobrança pelo Juízo da 26a Vara Cível Federal de São Paulo.
Em outro caso, uma Operadora recebeu em 25/09/2013 cobranças a título de Ressarcimento ao SUS decorrentes de atendimentos ocorridos entre os meses de janeiro/2012 a setembro/2012. Após ter apresentado impugnação, foi proferida decisão administrativa em 05/05/2014, com acolhimento parcial, concedendo-se prazo de 30 dias para apresentação de eventual recurso, interposto tempestivamente em 09/06/2014, sendo que o processo administrativo ficou paralisado por mais de 3 (três) anos e, somente em 18/12/2017, foi emitida nota técnica contendo a análise dos recursos formulados e o processo administrativo ficou pendente de julgamento até dezembro de 2022, ou seja, por período superior a 5 (cinco) anos.
Esgotada a fase administrativa, a operadora contestou judicialmente a mencionada cobrança, sendo que, quando do julgamento do processo, o Magistrado observou que o artigo 5o, LXXVIII da Constituição Federal de 1988 prevê: “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”, motivo pelo qual a situação mencionada no presente caso, representada pela demora de mais de 8 (oito) anos para o julgamento do recurso interposto em 09/06/2014, o qual somente foi julgado em 23/12/2022, após última movimentação em 18/12/2017, não pode ser avalizada pelo Judiciário.” De tal sorte que, houve o reconhecimento judicial da incidência da prescrição intercorrente no processo, sendo declarada nula a cobrança de valor superior a 100 mil reais, tendo em vista a correção monetária.
Percebe-se que, em que pese o Supremo Tribunal Federal tenha decidido pela constitucionalidade/legalidade das restituições relacionadas ao Ressarcimento ao SUS, o processo administrativo de cobrança, não obstante as melhorias implantadas, pode conter falhas ou interpretações desarrazoadas, que podem ser revistas pelo Poder Judiciário, mediante a propositura de competente ação perante a Justiça Federal.
Percebam que, apesar do senso comum imaginar que pagamos planos de saúde porque não queremos utilizar o SUS, cumpre esclarecer que o SUS manda a conta para o nosso plano de saúde quando utilizamos os atendimentos acima mencionados na rede pública, não obstante nossa condição de contribuintes previdenciários e o dever estatal previsto no art. 196 da Constituição Federal, onerando ainda mais a sinistralidade do plano, que terá impacto no seu custo. Aludida cobrança é efetuada através de processo administrativo da ANS que cruza os nossos dados no SUS e no cadastro das operadoras, sendo que, eventuais abusividades ou ilegalidades dessas cobranças, poderão ser objeto de demanda judicial, sendo que o Judiciário, em situações específicas, tem anulado estas cobranças
indevidas.
RAFAEL DIAS DA CUNHA
Advogado
JOSÉ LUIZ TORO DA SILVA
Advogado. Professor. Pós Doutor em Direito